segunda-feira, 12 de maio de 2014


 

“O Historiador no “reino das palavras”: a língua como arquivo, a palavra como fonte” [1]

 

Mário Biriate[2]

O historiador no “reino das palavras” procura mostrar a importância de perceber-se a “língua como arquivo” para os historiadores, sobretudo para aqueles que trabalham com grupos subalternos, povos sem escrita, ou processos muitíssimos recuados no tempo. O interesse nesta área surge por, entre outros motivos, a crise epistemológica da década de 60 e 70 ter sido motivada por duas grandes re-orientações intelectuais: O impacto do linguistic turn nas ciências humanas, e mais particularmente na história, e dos estudos sobre “grupos subalternos” e povos então tidos “sem história”, que expuseram o provincianismo de uma história universal centrada na Europa e nos seus grupos dominantes. Assim, as pesquisas empíricas sobre os diversos povos do continente africano adicionaram novos dados que pudessem ser integrados à narrativa histórica mundial e questionaram os próprios fundamentos conceituais que legitimavam a historiografia, contribuindo para o ceticismo epistemológico que dominou a disciplina.

Na perspectiva de superar o desafio de contar a historia de sociedades e grupos sociais ágrafos, historiadores de África fizeram avanços metodológicos através de esforços interdisciplinares com a arqueologia, a etnografia comparada e a história oral, assim como com a linguística histórica, naquele momento em decadência, consolidando assim aquilo que Lucein Febvre chamava de a língua como repositório das experiências humanas, e a capacidade de seus estudos de colocar e resolver problemas à processos históricos. Ao entender a “língua como um arquivo”, a historiografia sobre África teve um papel importante para retomar a utilização das evidências linguísticas como mais uma ferramenta do ofício do historiador e desdobrou contactos interdisciplinares para levantar e buscar respostas a processos históricos de longa duração.

Nos seus estudos, Lucein Febvre combateu a escola positivista, cuja história se baseava nos indivíduos ilustres, com base em testemunhos escritos, e propôs uma história que problematizava as “grandes cadeias” e “massa” de uma “civilização, que pusesse em primeiro plano os múltiplos aspectos dos povos anónimos, como: religião, o quotidiano, suas relações sociais e suas ferramentas mentais”. Assim, segundo autor, os linguistas especialistas em semântica, por exemplo, ao restituírem-nos a história de palavras particularmente carregadas de sentido, escrevem, ao mesmo tempo, capítulos exactos de história das ideias e dos povos. Ou seja, problemas historiográficos podem ser estuados a partir de evidências linguísticas. Ao perceber a língua como um arquivo onde estão depositadas as experiências acumuladas de seus falantes as palavras e suas histórias adquirem a possibilidade de serem tratadas como fontes históricas. Posteriormente, conclui-se que para compilar dados linguísticos, historiadores podem utilizar fontes tanto escritas quanto orais.

Febvre ao entender a linguagem como via cardeal de acesso ao social, ele incorporou a sua historiográfica a linguística de Meillet, que postulava que as condições sociais influíam decisivamente sobre a língua. Deste modo, as motivações para as mudanças históricas deviam ser buscadas nos processos históricos da sociedade de seus falantes.

A partir da introdução do termo bantu, por Bleek, o campo de estudos bantuistas buscou descrever o proto-bantu e suas línguas descendentes e explicar o(s) processo(s) histórico(s) através   do(s) qual(is) elas acabaram por dominar a paisagem africana meridional, de lesta a oeste. Na década de 70 emergiram os “historiadores-linguistas”, que não apenas acompanhavam o trabalho dos linguistas, mas se apropriaram de suas técnicas para recuar o passado humano.

 

 




[1] Mestrando em Linguística Bantu, Universidade Pedagógica de Moçambique-Delegação de Nampula (UPN).

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