“O Historiador no “reino das palavras”: a língua como
arquivo, a palavra como fonte” [1]
Mário Biriate[2]
O historiador no “reino das palavras” procura mostrar a
importância de perceber-se a “língua como arquivo” para os historiadores,
sobretudo para aqueles que trabalham com grupos subalternos, povos sem escrita,
ou processos muitíssimos recuados no tempo. O interesse nesta área surge por,
entre outros motivos, a crise epistemológica da década de 60 e 70 ter sido
motivada por duas grandes re-orientações intelectuais: O impacto do linguistic turn nas ciências humanas, e
mais particularmente na história, e dos estudos sobre “grupos subalternos” e
povos então tidos “sem história”, que expuseram o provincianismo de uma história
universal centrada na Europa e nos seus grupos dominantes. Assim, as pesquisas
empíricas sobre os diversos povos do continente africano adicionaram novos
dados que pudessem ser integrados à narrativa histórica mundial e questionaram
os próprios fundamentos conceituais que legitimavam a historiografia,
contribuindo para o ceticismo epistemológico que dominou a disciplina.
Na perspectiva de superar o desafio de contar a historia
de sociedades e grupos sociais ágrafos, historiadores de África fizeram avanços
metodológicos através de esforços interdisciplinares com a arqueologia, a
etnografia comparada e a história oral, assim como com a linguística histórica,
naquele momento em decadência, consolidando assim aquilo que Lucein Febvre chamava
de a língua como repositório das experiências humanas, e a capacidade de seus
estudos de colocar e resolver problemas à processos históricos. Ao entender a
“língua como um arquivo”, a historiografia sobre África teve um papel
importante para retomar a utilização das evidências linguísticas como mais uma
ferramenta do ofício do historiador e desdobrou contactos interdisciplinares
para levantar e buscar respostas a processos históricos de longa duração.
Nos seus estudos, Lucein Febvre combateu a escola
positivista, cuja história se baseava nos indivíduos ilustres, com base em
testemunhos escritos, e propôs uma história que problematizava as “grandes
cadeias” e “massa” de uma “civilização, que pusesse em primeiro plano os
múltiplos aspectos dos povos anónimos, como: religião, o quotidiano, suas
relações sociais e suas ferramentas mentais”. Assim, segundo autor, os
linguistas especialistas em semântica, por exemplo, ao restituírem-nos a história
de palavras particularmente carregadas de sentido, escrevem, ao mesmo tempo,
capítulos exactos de história das ideias e dos povos. Ou seja, problemas historiográficos
podem ser estuados a partir de evidências linguísticas. Ao perceber a língua
como um arquivo onde estão depositadas as experiências acumuladas de seus falantes
as palavras e suas histórias adquirem a possibilidade de serem tratadas como
fontes históricas. Posteriormente, conclui-se que para compilar dados
linguísticos, historiadores podem utilizar fontes tanto escritas quanto orais.
Febvre ao entender a linguagem como via cardeal de acesso
ao social, ele incorporou a sua historiográfica a linguística de Meillet, que
postulava que as condições sociais influíam decisivamente sobre a língua. Deste
modo, as motivações para as mudanças históricas deviam ser buscadas nos
processos históricos da sociedade de seus falantes.
A partir da introdução do termo bantu, por Bleek, o campo
de estudos bantuistas buscou descrever o proto-bantu e suas línguas
descendentes e explicar o(s) processo(s) histórico(s) através do(s)
qual(is) elas acabaram por dominar a paisagem africana meridional, de lesta a
oeste. Na década de 70 emergiram os “historiadores-linguistas”, que não apenas
acompanhavam o trabalho dos linguistas, mas se apropriaram de suas técnicas
para recuar o passado humano.
[1]
Mestrando em Linguística Bantu, Universidade Pedagógica de Moçambique-Delegação
de Nampula (UPN).
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